Ao tentar compreender, a partir do exemplo da Presidente do Tribunal Constitucional ou do procurador-geral de Angola, as razões pelas quais os nossos magistrados (também) têm o cérebro ligado aos intestinos do presidente do MPLA, esbarrei no texto que se segue e que publiquei em 2011. Qualquer semelhança com o que se passa, 11 anos depois, em Angola é, ou não, mera coincidência.
Por Orlando Castro
Em 2011, o procurador-geral da República de Portugal, Pinto Monteiro, afirmou que o copianço de futuros magistrados num teste é “eticamente censurável, lamentável e desprestigiante”. Nada disso. Num país onde todos se julgam uma espécie de Luciano Pavaroti tal é a qualidade do “play-back”, copiar não é censurável, lamentável ou desprestigiante. É, apenas isso, um espelho da sociedade.
“As qualidades principais para ser magistrado é a seriedade, o bom-senso e o equilíbrio” afirmou Pinto Monteiro, ficando a dúvida sobre o país em que ele julgava estar.
Pinto Monteiro considerou que esta situação “não abona em nada” à imagem da Justiça, mas disse que “é altura de parar com a especulação”.
Sim. Nada de especular. Aliás, se o caso não tivesse sido noticiado… estaria tudo na santa paz de um país que tarda, se é que alguma vez lá vai chegar, em ser um Estado de Direito.
No despacho de 1 de Junho de 2011, assinado pela directora do Centro de Estudos Judiciários, a desembargadora Ana Luísa Geraldes, refere-se que na correcção do teste de Investigação Criminal e Gestão do Inquérito (ICGI) “verificou-se a existência de respostas coincidentes em vários grupos” de alunos da mesma sala.
E por falar em Pinto Monteiro, não posso deixar de recordar que foi o mesmo procurador-geral que entendia que tentar controlar (ainda mais) a comunicação social não configurava um crime de atentado ao Estado de Direito.
Pinto Monteiro entendia, não é preciso saber a razão mas apenas acatá-la, que “o chamado caso das escutas, no processo Face Oculta, era meramente político”. Tão político made in Portugal que haver políticos a quererem controlar ainda mais a Imprensa não constituía matéria de facto que justificasse falar-se de um crime de atentado ao Estado de Direito.
A entrevista à revista “Visão” (Fevereiro d2 2010) era elucidativa quando à capacidade da justiça portuguesa abrir mais um buraco no fundo do poço, ainda por cima numa altura em que, ingenuamente, todos pensavam que Portugal já tinha batido no fundo.
Pinto Monteiro não tinha dúvidas e entendia que “eventuais propostas, sugestões, conversações sobre negociações que, hipoteticamente, tenham existido no caso em apreciação, não têm idoneidade para subverter o Estado de Direito”.
Ficam todos a saber, mesmo os que no Burkina Faso se preocupam com isto, que não é qualquer um, ou qualquer coisa, que pode subverter o Estado de Direito. E tal subversão só será admissível se existir idoneidade suficiente. Creio, por isso, é que José Sócrates estava na altura tão descansado…
Pinto Monteiro considerava que a situação que se tem criado na opinião pública (estúpida, obviamente, que nem um calhau) representava uma “armadilha política” que utiliza o “velho esquema de se conseguir determinados fins políticos utilizando para tal processos judiciários e as instituições competentes”.
Tinha razão. Mas, também aqui, deve haver os bons e os maus da fita. Tudo depende da idoneidade dos que usam “o velho esquema” e, é claro, também das instituições competentes.
O procurador estava na altura visivelmente chateado com os “comentadores de ocasião”, que sem idoneidade emitem “opiniões meramente políticas sob a capa de doutos pareceres”, esquecendo-se (o procurador) que afinal tentar controlar a comunicação social não é crime de atentado ao Estado de Direito.
Dizem-me que crime de atentado ao Estado de Direito é pensar com a própria cabeça, não ter coluna vertebral amovível, e achar que ninguém é dono da verdade. Se calhar é isso mesmo.
“Não encontrei, nem nenhum dos magistrados que comigo colaboraram encontraram indícios que apontem para o cometimento do crime de atentado ao Estado de Direito, que não foi certamente previsto para casos como este. As simples escutas não chegam, de forma alguma, para indiciar o cometimento do ilícito que era apontado”, sublinhou à Visão o procurador-geral.
E está dito. Se ninguém (dos que trabalham com Pinto Monteiro, entenda-se) encontrou indícios… é porque não os há. Outros magistrados pensam de maneira diferente, mas a esses falta a idoneidade que – tanto quanto parecia – sobrava a Pinto Monteiro.
Na mesma altura, Pinto Monteiro, entendia que não havia “demasiados livros sobre Justiça” em Portugal, mas sim “demasiadas leis”. Creio que tinha razão. Tal como há demasiados deputados, políticos e donos da verdade. Tal como há demasiados parasitas a viver à custa dos impostos dos portugueses.
“Toda a gente gosta de deixar o nome numa lei. Toda a gente quer fazer reformas. Depois, quando começa uma reforma, antes de acabar, já está outra, ninguém tem tempo de gerir a reforma anterior, é esse o problema”, realçou Pinto Monteiro, citado pela Lusa.